Se eu pudesse ter uma conversa com a minha versão infantil, pegaria sua mãozinha de dedos finos e a levaria no parquinho. Nós iríamos no fim da tarde, quando está mais fresco, o céu parece mágico e dá para ver a lua. Andaríamos juntas, lado a lado, tomando sorvete de chocolate, sentindo a areia em nossos pés e o vento nos cabelos. Então, brincaríamos sem preocupações, como duas crianças. Depois de subir e descer na gangorra e no escorregador, nos balançaríamos em balanços coloridos, daqueles de cadeirinha. E aí, quando estivéssemos com as barrigas doendo de tanto rir, eu respiraria fundo e diria que, sabe, amo como ela é sonhadora, criativa, divertida e tem um bom coração. Que ela é bonita do jeitinho que é, com os cachinhos de mola, as canelas finas e o aparelho nos dentes. E que seu corpo não é feito para agradar ninguém além dela porque o corpo é muito mais, é o nosso verdadeiro lar e é sagrado, deve ser amado, cuidado e respeitado.
Diria que ela não precisa ter medo de vampiros, lobisomens, do escuro e, principalmente, das outras crianças (e pasmem, adultos também), que sempre vão apontar “falhas” e “defeitos” (entre aspas porque tudo é relativo), mas o que importa mesmo é ter a consciência limpa e o que ela pensa de si mesma. Que ela não tem que ser tão perfeccionista e autocrítica. Que não precisa ter vergonha de ter voz, se impor, se expressar seja falando, dançando, cantando ou como for.
Se precisar, grite para o mundo a sua verdade, minha linda flor exótica!
Eu diria que não é ruim saber e admitir que se é boa em algo, assim como ter ambição e querer chegar ao topo do mundo, desde que não se pise em ninguém ao longo do caminho. Que ela tem que se permitir errar, aprender e se perdoar quando necessário. Que não tem como estar sempre com aqueles que amamos e que é normal ter medo de perdê-los, mas que a preocupação deve ser apenas em demonstrarmos nosso afeto, aproveitar os momentos em que estamos com eles e sermos gratas por tê-los em nossa vida. Que amor nunca se perde, vive em nós.
E, muito importante, que ela não é obrigada a ser legal com quem não merece e a fazer o que os outros querem que ela faça (pode dizer “não!), que pode cortar quem não faz bem sem dó nem culpa nem medo de ficar sozinha. Até porque sua própria companhia é incrível, as outras pessoas vêm para acrescentar.
Que nunca estamos totalmente no controle, nada acontece do jeitinho que a gente quer. Que temos que ter jogo de cintura para lidar com as adversidades e que, ugh, muuuitas surgirão. Que os momentos difíceis servem para valorizarmos os felizes. E que não é culpa dela se sentir tantas vezes assim, triste, só, com medo e preocupada, que ela tem ansiedade, depressão e TOC — doenças como quaisquer outras, a diferença é que é coisa da nossa cabeça (o que não significa que não é real), logo não é todo mundo que consegue ver e entender. E, sim, de certa forma, sempre farão parte dela, mas tudo bem, não é nada que não se possa lidar. Dá até pra usar a favor! Para protegê-la e impulsioná-la.
Então, diria para relaxar, que ela vai ficar bem. Que é só continuar tendo fé e esperança, olhando para o lado bom de tudo e todos, estudando, se dedicando e esforçando, fazendo as coisas com o capricho de sempre, se virando e até revirando, refletindo, buscando soluções, respostas, evolução, olhando por todos os ângulos, sendo autêntica como é e se cercando de amor verdadeiro que, ufa, vai ficar tudo bem.
Mas então, ela sorriria gentilmente, passaria a mão no meu rosto e diria que eu não preciso dizer todas essas coisas para ela porque, afinal, foi ela quem descobriu tudo isso para mim. Ela passou por tanto para eu ser quem eu sou hoje e o fez por sempre acreditar no meu potencial e capacidade, e em tudo que eu posso ser. Que agora eu preciso fazer isso para a futura eu.
Ah! E ela diria que nunca imaginou que a nossa vida tomaria o rumo que tomou, mas que está feliz que com o ponto em que chegamos, que é grata por tudo que aprendemos. Diria que eu não preciso realizar todos os sonhos dela, só se ainda forem os meus, me tirando um peso dos ombros. E que até posso sonhar novos sonhos também, por que não? O que ela definitivamente quer é que eu corra atrás deles!
Me lembraria que eu ainda gosto de dar a louca e “inventar moda”, como diria mamãe, que tenho que fazer mais isso. Que eu tenho que ter orgulho de mostrar a minha verdadeira face e que, ei, não devo ficar pensando besteiras, só tenho uma! Não sou uma Bárbara ou outra, feliz ou triste, isso ou aquilo, sou tudo, sou todas, sou humana e tenho meus momentos. E tenho que ter todos os tipos de momentos, sentir todos os tipos de sentimentos. Que ela tem orgulho de mim assim como eu tenho dela. Que ela quer que eu fique bem e que sabe que vou ficar como sempre ficamos, pois sempre teremos umas às outras — as versões que já fui e as que ainda serei, assim como nossa força e a única coisa que não muda nunca: nossa essência que é única.
Observações da autora: este texto foi escrito em Outubro de 2022.
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